Jeremy Grantham é co-fundador da GMO e ficou famoso ao prever crises nos Estados Unidos, tendo previsto a bolha do “pontocom” no começo dos anos 2000 e a do “subprime” em 2008. Em entrevista para o Valor Econômico, o experiente gestor defendeu o ouro e atacou o bitcoin.
Mas será que ele está certo?
Blockchain x Bitcoin
Grantham afirma que a tecnologia por trás do bitcoin é “uma poderosa evolução e será usada cada vez mais”, ele se refere ao blockchain e é um claro defensor da ideia de que o blockchain é a grande contribuição das criptomoedas para o mundo. Ele está completamente errado.
Segundo Sebastien Meunier, autor da meta pesquisa “Quando você precisa de um blockchain? Modelos de decisão“, blockchain “não é uma tecnologia, mas um padrão de design”. Ele é usado para aplicações “não controladas por uma entidade única ou um pequeno grupo de entidades”.
“Isso é super raro e difícil de fazer porque 1/ não há muitos casos de uso onde você realmente *precisa* disso. Dinheiro P2P sem autoridades é o único caso de uso até agora. Por design, se é controlado por uma empresa, um consórcio de empresas ou um governo, você não precisa de uma blockchain. Todos os casos de uso relacionados com negócios e governos poderiam funcionar bem com uma governança adequada, padrões e soluções distribuídas convencionais. 2/ é difícil implementar na prática, porque os seres humanos naturalmente recuam às hierarquias e gostam de seguir líderes. Bitcoin é um milagre sem líder.”
Isso demonstra uma completa falta de entendimento sobre o “blockchain” e a história por trás da sua criação. Desenvolvedores tentaram criar um dinheiro digital desde 1980 e falharam miseravelmente, boa parte das vezes foi devido a intervenções governamentais como o Liberty Reserve e o E-gold, dois sistemas centralizados e funcionais de dinheiro digital que foram fechados do dia para a noite.
O Bitcoin precisava ser resistente a ataques de governos e corporações, pelo menos em seu design, e a única maneira de fazer isso era usando um sistema de hashs interligados em blocos de transação.
Mas as bobagens de Jeremy Grantham não param por aí.
O valor “intrínseco” do Bitcoin
Ele continua o ataque com um dos piores argumentos contra o bitcoin, a falta de “valor intrínseco”. Primeiramente, não existe algo como “valor intrínseco”, o valor é sempre subjetivo ao ser humano. Qual o valor intrínseco do ouro? E do papel impresso pelo Banco Central da Argentina ou do Brasil?
O economista Carl Menger, ainda no século XIX, explicou a teoria do valor subjetivo na qual bens e serviços terão valores diferentes para cada pessoa. Se eu estou morrendo no deserto por desidratação, talvez um copo de água valha mais que um diamante.
O grande valor do Bitcoin, para mim, é sua previsibilidade monetária. Eu sei que teremos apenas ~21 milhões de moedas, que a cada +- 10 minutos teremos um bloco, e em 2016 blocos os bitcoins emitidos por blocos serão reduzidos. Enquanto o real, dólar ou qualquer outra moeda/reserva de valor estatal é completamente imprevisível, basta que um político mude de opinião ou uma pandemia afete o planeta para uma miríade de populismo barato afete nosso dinheiro. Claro, para ser previsível é preciso de descentralização, do contrário, bastaria um desenvolvedor maluco para mudar o supply monetário.
Para outras pessoas, o bitcoin é um grande notário devido à sua imutabilidade. Enfim, para cada um o valor do bitcoin será diferente.
Vão banir ou bloquear o bitcoin?
Não cansado de falar asneiras, Grantham acha ‘que o bitcoin ainda vai atingir valorizações mais elevadas até que os governos comecem a bloqueá-lo”.
Eu até concordaria com ele se estivéssemos em 2016, na qual a adoção do bitcoin era de basicamente um grupo de libertários e especialistas em computação. Hoje, o homem mais rico do planeta tem interesse em garantir leis positivas para o bitcoin, as corretoras de criptomoedas começaram a comprar lobistas em Washington e até os próprios bancos estão descobrindo como lucrar com a criptomoeda.
A quantidade de investidores millennials e da geração Z investindo em criptoativos é grande demais para ser ignorada por qualquer político de países desenvolvidos. Talvez em republiquetas de terceiro mundo algum banimento possa acontecer, mas ele não será respeitado, basta observar a situação da Nigéria ao tentar banir o bitcoin.
Sabendo que políticos gostam de dinheiro e poder, com a comunidade do bitcoin qualquer político terá uma miríade de jovens aficionados pela moeda e um grupo poderoso de empresas fazendo lobby. O momento de banir completamente o bitcoin já passou.
Carta da mudança climática
Por último temos a carta da “mudança climática” e como o bitcoin está afetando os pobres pinguins e as geleiras do ártico com seu consumo insano de energia. Claro, isso vindo de um investidor que em 2011 tinha US$1,5 bilhão em ações de companhias de petróleo e uma abundância de shares na sempre saudável companhia de cigarros Philip Morris.
Jeremy não está preocupado com o meio ambiente, as implicações políticas do bitcoin ou mesmo em falar a verdade sobre a teoria subjetiva do valor, ele apenas quer que seu portfólio continue subindo. E o crescimento do BTC deve estar atrapalhando o crescimento do ouro, item essencial na carteira de um permabear como Grantham.
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