Durante um evento promovido ontem pelo Instituto de Lei e Finanças (ILF) da Universidade de Frankfurt, o gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Agustín Carstens, afirmou ver “um grande abismo” entre visão e realidade no caso das chamadas “finanças descentralizadas” (DeFi).
Carstens afirmou que o ambiente das DeFi tem sido “usado principalmente para atividades especulativas”, e reforçou o papel dos bancos centrais para a estabilidade e regulação dos sistemas monetários conforme manda a narrativa anacrônica dos Bancos Centrais.
Carstens reforça papel dos BCs
Carstens ressaltou em palestra que “um bem público como o dinheiro precisa de supervisão tendo em mente o interesse público” para justificar a posição do Banco Central de estabelecer-se como autarquia suprema.
Em sua apresentação, o diretor-geral do BIS – instituição considerada o “banco central dos bancos centrais” – afirma que os BCs conseguiram se adaptar constantemente às mudanças tecnológicas, econômicas e sociais.
“É por isso que os bancos centrais estão engajados ativamente com a inovação digital, desenvolvendo infraestruturas, sistemas de pagamentos rápidos e moedas digitais.”
No entanto, segundo ele, “alguns desenvolvimentos recentes podem ameaçar a essência do dinheiro como um bem público, se levados longe demais”.
Crítica às finanças descentralizadas
O que o gerente do banco dos bancos chama de “desenvolvimentos que podem ameaçar a essência do dinheiro” é conhecido como finanças descentralizadas, ou só Defi.
Para, então, justificar que os BCs continuarão a ser as instituições melhor posicionadas para prover confiança na era digital e que as Defi não ameaçam o sistema financeiro tradicional Carstens traçou três cenários.
- O primeiro envolve as chamadas stablecoins de grandes empresas de tecnologia, que “competem com as moedas nacionais e contra elas próprias, fragmentando o sistema monetário”.
Carstens reconhece as contribuições importantes das empresas de tecnologia (Big Techs). para os serviços financeiros. Ele define uma stablecoin de Big Tech como “um ecossistema dominante e fechado em torno de sua própria empresa global” a exemplo das grandes empresas de tecnologia chinesa que forneceram 94% dos pagamentos móveis no país.
Ou seja, uma vez estabelecida, essa stablecoin ergue barreiras contra novos entrantes, levando a dominância, concentração de dados e menos concorrência. Nesse sentido, “Uma ‘stablecoin’ [chinesa] poderia desintermediar bancos incumbentes, colocando em risco a estabilidade financeira.”
- O segundo cenário, conforme Carstens, está relacionado à “promessa ilusória” de criptomoedas e finanças descentralizadas (DeFi), de oferecer “um sistema financeiro livre de poderosos intermediários, mas que pode realmente entregar algo muito diferente”.
Carstens afirmou que os entusiastas da DeFi mantêm algumas promessas muito atraentes, como a “democratização das finanças”. De acordo com o executivo, os economistas do BIS discutiram essa “ilusão de descentralização” em pesquisas recentes.
“A confiança em um sistema anônimo é mantida por validadores de interesse próprio. Assim, o sistema deve gerar taxas, ou aluguéis, suficientes para fornecer a esses validadores o incentivo certo.”
Esses aluguéis também são uma razão pela qual as plataformas DeFi têm sido tão atraentes para investimento de capital de risco, ponderou.
- O terceiro cenário, prosseguiu Carstens, contempla a visão de um “sistema monetário e financeiro aberto e global que aproveita a tecnologia para o benefício de todos”. Nesse cenário, “incumbentes, grandes empresas de tecnologia e novos entrantes competem em um mercado aberto que garante a interoperabilidade”.
No centro desse sistema estão os bancos centrais, afirmou Carstens. “Eles não visam lucros, mas servir a sociedade. Eles não têm interesse comercial em dados pessoais. Eles atuam como operadores, supervisores e catalisadores nos mercados de pagamentos, e regulam e supervisionam os provedores privados.”
O executivo citou ainda as moedas digitais desenvolvidas por bancos centrais, as CBDCs.
Ao contrário das stablecoins, as CBDCs não precisam emprestar sua credibilidade, afirmou. “Como são emitidos diretamente pelo banco central, elas herdam a confiança que o público já deposita em sua moeda. Podem, assim, servir como base sólida para a inovação futura”, acrescentou.
A narrativa anacrônica dos Bancos Centrais
“Os bancos centrais têm sido e continuarão a ser as instituições melhor posicionadas para prover confiança na era digital”, disse Carstens. Será?
Uma das grandes preocupações dos reguladores é de que os sistemas financeiros descentralizados (Defi) substituam os bancos e corretoras que promovem leis contra lavagem de dinheiro, criando um ambiente anárquico, economicamente imprevisível e mais difícil de ser controlado pela máquina burocrática estatal.
Contudo, apesar dos avanços para digitalizar o sistema nacional financeiro monopolizados pelo Banco Central, como Paulo Guedes tanto se gaba, muitos brasileiros ainda buscam por alternativas mais baratas e interoperáveis.
Quase sete (68%) em cada dez brasileiros consideram mudar de banco para uma instituição com atendimento mais consistente e eficiente, revela um estudo feito pela Infobip. No geral, seis em cada dez clientes mudariam para um banco que oferece uma experiência de interações mais contínuas.
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Isso nos leva a crer que os bancos não têm sido instituições melhor posicionadas para prover confiança na era digital, já que consumidores estão propensos a migrar de banco por não acreditarem nos protocolos de concessão de crédito de suas instituições.
Além do mais, enquanto ondas de protestos em frente a Bancos tradicionais desencadeiam a violência e vulnerabilidade econômica, o maior protesto pacífico de todos os tempos sustenta a soberania econômica dos que já migraram para um sistema monetário verdadeiramente aberto.
O protesto era uma citação de uma manchete do jornal Britâncio The Times: “Chanceler está à beira de um novo resgate aos bancos”. O protesto silencioso pretende atingir o momento em que o nosso dinheiro se tornou distorcido, mais especificamente lá em 1971, quando o presidente americano Richard Nixon acaba com qualquer vínculo do dinheiro com algum bem tangível.
E assim, foi ameaçado a essência do dinheiro como um bem público. As Defi não são culpadas da brincadeira que já foi levada longe demais.