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A mão invisível do mercado cripto e uma lição sobre auto-regulação

Mão invisível do mercado cripto

Nesta coluna: O que é a mão invisível do mercado e como os eventos recentes envolvendo a FTX e outras exchanges de criptomoedas estão nos ensinando sobre auto-regulação e devem trazer grande amadurecimento para a indústria e para a sociedade como um todo.

Dias de muito aprendizado

Os últimos oito dias de mercado foram extremamente estressantes para todos nós que trabalhamos diretamente com essa indústria.

Minhas horas de sono estão reduzidas; e acordei quase todas as noites durante a madrugada para acompanhar alguma novidade ou escutar transmissões do “spaces” no Twitter – tudo isso para não perder informações importantes e conseguir cobrir o caso com responsabilidade e integridade, tanto através do Cointimes, como também diretamente em meu perfil do Twitter (@vinibarbosabr) ou nos grupos que faço parte.

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Mas além do compromisso jornalístico e de pesquisa sobre nossa economia descentralizada, estes dias têm sido também de grande aprendizado – que encaro com muito entusiasmo e sou grato pela oportunidade de experimentar, observar e aprender tanto com todos estes acontecimentos.

De um ponto de vista de pesquisa e educação, todos somos privilegiados por viver o, até hoje, maior cisne negro da indústria cripto e um dos maiores cisnes negros do mercado financeiro –  em um ambiente de pouco alcance regulatório, o que cria uma situação histórica sem precedentes para as ciências econômicas. E quero compartilhar um pouco do que vi e aprendi neste artigo.

A “mão invisível” do mercado

Mão invisível é um conceito criado pelo filósofo e economista Adam Smith, em seu livro “A Riqueza das Nações”, publicado em 1776. Segundo o conceito da mão invisível, o mercado livre se autorregularia, sem a necessidade da intervenção do Estado.

O conceito tomou diversas formas em diferentes círculos sociais e, em muitos deles, a ideia da “mão invisível” não passa de meme ou de puro sarcasmo por parte de céticos sobre a capacidade de auto-regulação de um livre mercado.

No entanto, acredito que vimos uma pequena e crescente demonstração dessa mão invisível agindo nos últimos dias. Vou explicar.

Mais regulação ou mais educação?

A quebra da segunda maior exchange em volume de negociação e custódia de fundos de terceiros do mercado cripto criou a “oportunidade perfeita” para que reguladores e pessoas pró-regulação se manifestassem a favor da necessidade de uma mão mais pesada do Estado e de governos sobre nossa indústria, ainda pouco regulada.

De acordo com estas pessoas, um cenário regulatório mais rigoroso teria evitado os eventos recentes, ou minimizado os danos causados. O que eu discordo veementemente.

O setor bancário e o mercado financeiro são dois dos, talvez, mais regulados setores do mundo e, mesmo assim, existem inúmeros exemplos de fraude, insolvência, calote, falta de liquidez, roubo, uso de informação privilegiada, manipulação de preços, etc, etc, etc.

A pesada regulação não só não impede os eventos negativos de acontecerem, como, na minha opinião, atrasa e dificulta as soluções éticas e reais de longo prazo – criando um ciclo vicioso que se repete de tempos em tempos.

Com fortes incentivos financeiros, a regulação é, muitas vezes, utilizada com fins de benefício próprio para os próprios reguladores ou pessoas conectadas à eles. Através de relacionamentos pessoais ou como moeda de troca em um jogo de influência e poder sobre os mercados.

Não só isso, mas em um ambiente propício para a corrupção, o jogo regulatório elimina “jogadores” honestos da competição, ao se recusarem a não seguir algumas regras de lobby, suborno e bajulação político-social. O que cria um outro filtro vicioso onde cada vez mais os “jogadores” desonestos ganham vantagens sobre os demais, o que requer mais regulação, que continua sendo corruptível e, novamente, exclui os menos desonestos e mantém os piores dos piores.

Em uma solução de livre mercado e auto-regulação, a educação e a livre comunicação entre os participantes têm efeito contrário, com melhores incentivos para manter os bons e honestos, eliminando os desonestos e incompetentes.

A mão invisível eliminou a FTX do jogo

Quer maior demonstração dos malefícios regulatórios que o fato de Sam Bankman-Fried, protagonista deste grande escândalo, ser também um dos protagonistas pelas lutas pró-regulação Estatal na indústria cripto?

Existem inúmeras evidências de que Sam, CEO da FTX, tinha um relacionamento próximo a Gary Gensler, presidente da SEC (equivalente à CVM nos Estados Unidos) e um dos líderes governamentais na mão regulatória do governo norte-americano contra nosso mercado.

SBF foi sagaz no lobby, sendo o segundo maior doador da campanha presidencial de Joe Biden; e defendia abertamente uma maior presença regulatória “para proteger os usuários”. Mas acabou como o maior agressor contra estes usuários que ele dizia querer proteger.

Muitos têm, incorretamente, atribuído à quebra da FTX ao CEO da Binance, CZ. Sendo que o único responsável pela quebra foi a própria equipe de executivos da empresa que quebrou. A FTX é a única responsável e culpada pela sua própria falha. Tudo o que CZ fez foi identificar essa falha e agir contra ela publicamente.

CZ não é necessariamente o “mocinho” nessa história, mas com certeza SBF é um dos vilões – como ficou provado com o desenrolar dos fatos. E todos nós temos nossa participação nas ações que trouxeram a verdade à tona e minaram a credibilidade e liquidez do vilão.

Estamos aprendendo sobre auto-regulação e o aprendizado pode ser dolorido

Aprender nem sempre é fácil. Muitas vezes o aprendizado é dolorido e cria calos, que nos deixam mais fortes e resistentes.

Como sociedade, nós sempre fomos muito dependentes de uma forte presença regulatória para “nos proteger” dos vilões. Essa dependência e ilusão de proteção nos deixa despreparados para encarar a dureza da mão invisível, da mesma forma como uma criança mimada e super protegida tem dificuldade de lidar com os perigos do mundo real.

Em um primeiro momento de independência e liberdade, a criança pode se machucar até aprender. É doloroso, mas necessário e todos nós inevitavelmente passamos por lições dolorosas ou iremos passar em algum ponto crucial de nossas vidas.

Não é diferente quando falamos sobre o mercado e a auto-regulação.

O mercado cripto está sofrendo com as dores causadas pela FTX e por outros participantes desonestos e incompetentes, que negligenciaram o bem estar dos usuários; mas o mercado também está crescendo mais forte e criando ferramentas inteligentes para evitar que estas dores voltem a assombrar nossas noites (e carteiras).

A mão invisível está revolucionando a indústria

O que vi nessa última semana foi o crescimento exponencial do jornalismo independente, principalmente ocorrendo no Twitter. Vi também o crescimento exponencial das exigências dos usuários de transparência e honestidade pelas prestadoras de serviços.

Vi CEOs bilionários irem à público em spaces, podcasts, canais de youtube, lives e fóruns online para prestar esclarecimentos sobre suas decisões empresariais e sobre a saúde de suas empresas. Não pela existência de uma pressão regulatória estatal, mas pela pressão consumidora dos próprios usuários.

Vi o surgimento de diversos analistas e auditores independentes, verificando as informações que eram compartilhadas publicamente e vi fake news e FUDs sendo derrubados com argumentos lógicos, provas e evidências por parte dos prestadores honestos e competentes.

Consigo imaginar, até mesmo, que em um cenário altamente regulatório e corrupto, estes prestadores honestos talvez nunca tivessem a chance de ter crescido como cresceram em um livre mercado. Exemplo claríssimo, por exemplo, da Kraken através de seu CEO Jesse Powell, que foi um dos pioneiros na apresentação de provas-de-reserva dos fundos e depósitos dos clientes sob sua custódia.

Vi usuários aprendendo a valorizar as boas práticas, como o saque e a soberania de seu dinheiro. Bem como a boa gestão sem reservas fracionárias com liquidez disponível de 1:1 sobre os depósitos realizados.

Exchanges e outros serviços custodiais estão sendo testados a cada hora nestes últimos oito dias. Gestão de crises tornou-se uma profissão indispensável e a falta de clareza na comunicação, ou falta de provas convincentes pode significar a perda irreparável de confiança do mercado para aqueles que cometerem erros graves.

Estamos aprendendo. Juntos. E meu entusiasmo sobre este aprendizado supera qualquer cansaço causado pela falta de descanso. Acredito que estamos vivendo um momento histórico de disrupção e amadurecimento, não só da indústria cripto, mas também de toda a humanidade.

A auto-regulação, no entanto, só funciona em mercados verdadeiramente livres e em ambientes de livre comunicação e livre expressão; pois o compartilhamento de informação bilateral é a maior ferramenta para se proteger dos atores maliciosos que existem em qualquer lugar.

Quero aproveitar para te convidar a também se entusiasmar e aproveitar essa oportunidade única de aprendizado que nos foi proporcionada. Esteja aberto para aprender, errar, se machucar e aprender ainda mais. Vamos amadurecer juntos e, juntos, regular o nosso livre mercado através da competição e de nossas próprias escolhas e compartilhamento de informações.

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