Dúvidas bastante comuns dentre pessoas que acabaram de descobrir o Bitcoin e a tecnologia Blockchain são: o quão confiável é a rede e quais as garantias de que ela não pode ser adulterada. Para começar esse texto é importante ressaltar que não é impossível corromper o Blockchain, mas usando a teoria dos jogos podemos entender o motivo pelo qual não é interessante para agentes usarem desse recurso.
O que é a Teoria dos Jogos?
A Teoria dos Jogos é um ramo da matemática aplicada que tenta, através da lógica, estudar situações de conflito e então definir qual a melhor ação a ser tomada. O seu exemplo mais famoso é o dilema dos prisioneiros, uma situação fictícia onde dois prisioneiros precisam fazer uma escolha. O dilema funciona da seguinte forma:
Cada prisioneiro é levado a uma sala de interrogatório, sem ter contato com o outro. Então o investigador oferece um acordo no qual ele pode ter pena reduzida ou até mesmo sair livre. Basta ele confirmar a participação de seu parceiro no crime. A tabela abaixo explica como ficariam as penas de acordo com as ações escolhidas por cada um dos prisioneiros.

A consequência desses resultados é que; apesar de a soma dos anos de pena dos dois prisioneiros seja menor se ambos resolverem não delatar, olhando de uma perspectiva individual sempre vai ser vantajoso entregar. Ignorando qualquer tipo de ética e considerando apenas o aspecto racional da decisão, a consequência lógica do dilema é que ambos os prisioneiros vão contribuir com o investigador. Portanto cada um vai passar 5 anos preso.
Como podemos relacionar a Teoria dos Jogos ao Blockchain?
Quando estamos falando do dilema entre sabotar a rede ou contribuir, o número de variáveis é infinitamente maior do que o exemplo dos prisioneiros. Afinal, hipóteses são usadas para entender a lógica por trás de uma teoria. Quando esta é transportada para a realidade, a situação fica muito mais complexa.
Primeiramente é preciso saber que o consenso da rede do Bitcoin usa um método chamado de Proof of Work. Neste caso os computadores trabalham para gerar um hash compatível com o bloco que será adicionado na cadeia, processo extremamente trabalhoso. O minerador que conseguir calcular esse hash primeiro ganha a recompensa (atualmente equivale a 12.5 BTC’s + as taxas de transação). Em casos de conflitos na rede, a quantidade de força computacional utilizada em cada uma das opções é o fator determinante para a decisão de qual caminho seguir. Como o uso do poder computacional é o ‘critério de desempate’, a única forma de um agente adulterar o Blockchain seria se ele possuísse 50%+1 ou mais do poder da rede.
https://cointimes.com.br/o-que-e-a-funcao-hash-na-mineracao-de-bitcoins/
Vamos supor agora um agente determinado a tirar proveito da rede. Para alcançar os 50%+1 de poder necessários seria preciso um alto investimento, atualmente, os equipamentos custariam cerca de 6 bilhões de dólares. Levando em conta o impacto causado na demanda pelo maquinário e seguindo a lógica básica da economia, podemos supor que o preço real dessa compra seria mais alto ainda. O ataque ainda vai consumir 3,8 milhões de kWh por hora, a preço médio de energia nos EUA, isso gira em torno de 500 mil dólares.
Cooperar ou Burlar?
Se alguém realmente conseguir esse poder, o que ele poderia fazer? Bom, basicamente esse minerador passa a ter o poder de fazer um gasto duplo. Ele poderia interferir em 2 ou 3 blocos, mas as transações mais antigas são tecnicamente impossíveis de serem alteradas. Além disso, como o Blockchain é público, com o tempo os outros mineradores vão perceber a anomalia e passar a ignorar as informações vindas do node fraudulento. É como diria o Chapolin: ‘Podem me enganar uma vez, mas não duas’.
https://cointimes.com.br/podcasts/conexao-satoshi-02-o-jogo-da-mineracao/
Mesmo que o ataque tenha sucesso e seja lucrativo, ainda existe a possibilidade de a comunidade decidir forkear o Blockchain. Isso permitiria reverter as transações, da mesma forma que foi feita com o Ethereum. Então o minerador fraudulento ficaria sozinho na rede antiga. Dada a dificuldade de se desfazer de uma quantidade tão alta de Bitcoin rapidamente, é bastante provável que o ladrão mantenha suas moedas e consequentemente tenha seu ativo desvalorizado.
Sabendo como o ataque aconteceria, os riscos e os custos, entramos agora na teoria dos jogos. Depois de fazer todo esse investimento em equipamentos, tendo a energia disponível, qual a recompensa do minerador em não atacar a rede? Com esse poder computacional, um agente que trabalha a favor da rede poderia minerar 918 BTC por dia de forma constante. Isso seria equivalente a um lucro diário de 7 milhões de dólares na cotação atual. Descontando os 500 mil de energia, chegamos um lucro líquido de 6,5 milhões por dia. Vale relembrar que no caso do ataque, só seria possível realizar uma vez e por curto período de tempo.
Levando em conta essa simulação onde o autor do ataque tem interesse exclusivo de lucrar com o gasto duplo (ou seja, ele não teria lucro de forma indireta com a desvalorização da rede Bitcoin), um agente racional nunca optaria por trabalhar contra a rede. Seu retorno esperado sempre vai ser mais alto quando ele trabalha a favor.