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Multe-me se for capaz…

Não é de hoje que a Receita Federal está de olho em procedimentos de blindagem patrimonial. E seus mecanismos de fiscalização sofisticam-se na mesma proporção que os artifícios criados para driblar o Fisco.

Se, tempos atrás, colocar os bens em nome de amigos ou parentes, criar off shores para evadir rendimentos ou esconder investimentos em países estrangeiros eram medidas eficientes para fugir do fisco, hoje já não são tão eficientes assim. Não adianta nada transparecer uma pobreza franciscana à Receita se sua vida real ou suas redes sociais mostram o contrário.

Desde 2017, o Fisco usa inteligência artificial para varrer a internet em busca de incongruências entre o que se declara (ou omite) e o que se posta no Facebook, no YouTube, Instagram ou em qualquer outra plataforma virtual. Um aprimoramento que já buscou mais 2 bilhões de reais em impostos sonegados por mais de 2 mil contribuintes, segundo informado pela revista Exame.

Ninguém está imune à mordida do Leão, portanto. Basta um vídeo seu rolando por aí palestrando para sua equipe para que a Receita prove que você é o verdadeiro dono de uma empresa da qual alega ser mero consultor. E basta ela constatar que o dono formal dessa mesma empresa jamais pisou na sua sede para que o ciclo se feche e que seja possível escancarar a relação de “laranja”.

Feito isso, é só mais um passinho para concluir que o patrimônio do laranja, ou de vários laranjas, são, na verdade, o patrimônio oculto de alguém tentando fugir da tributação. E através de uma ação judicial proposta pela Procuradoria da Fazenda ou pelo Ministério Público, pode a Justiça determinar medidas como o congelamento dos bens, a anulação de negócios simulados (doações, divórcios, holdings patrimoniais, alienações, venda de ações, etc.), sem prejuízo das implicações criminais cabíveis.

Ocultação patrimonial é crime. Então, além de uma multa que pode chegar até a 150% do imposto sonegado, ela pode resultar numa pena de 2 a 5 anos de cadeia! Um risco alto que assombra quem insiste em jogar poker com a Receita.

Um jogo cuja lógica é a mesma quando se trata de criptomoedas. A partir da IN 1.888, esconder lucros e operações envolvendo criptoativos traz exatamente as mesmas consequências, por exemplo, que sonegar impostos inventando despesas dedutíveis ou simular uma doação de imóvel recebendo dinheiro frio por fora. Se a Receita descobrir, ela poderá te cobrar os impostos devidos, te aplicar uma multa e ainda repassar material para que o Ministério Público Federal te processe criminalmente.

Quer dizer que qualquer pessoa que fugir do Fisco vai cair? Não, lógico que não. Mas se, por alguma razão qualquer, os auditores virarem os radares para alguém, eles terão totais condições de puxar a ponta do novelo e de compreender com muita clareza qualquer tentativa de esconder rendimentos e operações com criptomoedas de qualquer natureza.

É o consagrado método do “follow the money”, através do qual as autoridades desvendam esquemas criminosos seguindo os rastros que o dinheiro deixa. Se você não tem patrimônio declarado, por exemplo, mas vive em uma mansão alugada, anda em carro de locadora e seus filhos estudam em colégio particular, aí estão três pontas soltas que a Receita poderá usar para buscar o seu patrimônio. Porque o  dinheiro que paga tudo isso vem de algum lugar e está no nome de alguém. E como o Fisco não é nada bobinho para acreditar que alguém paga suas despesas por mera bondade, ela consegue mapear rapidinho qualquer fluxo criado no intuito de sonegar impostos.

Por mais criativo que seja um esquema criado para esse fim, o caminho do dinheiro é uma via de duas mãos que pode ser trilhado em ambos os sentidos. E nas pontas sempre vão estar duas pessoas: uma que vive uma vida confortável sem ter patrimônio formal; outra que vive uma vida normal tendo um patrimônio formal confortável.

Juntando as duas pontas, a Receita terá, então, onde buscar o dinheiro para quitar as multas e os impostos devidos. E o Ministério Público terá farto material para fazer indiciamentos por diversos crimes contra a ordem tributária, cujas penas somadas poderão levar o contribuinte à prisão em regime fechado.

É sempre bom lembrar que dever impostos é bem diferente de sonegar impostos. Sonegar envolve agir concretamente para omitir ou dissimular o patrimônio e os rendimentos. Algo que se dá, falando de maneira simples, quando se mente ao Fisco.

A operação Lava Jato está aí para provar que é muito difícil esconder dinheiro do Governo quando ele está decidido a encontrá-lo. Não adianta fazer off shore, colocar dinheiro na Suiça e nomear a esposa beneficiária. Muita gente grande caiu confiando que a blindagem formal resistiria a qualquer investida.

Existe um princípio filosófico que se chama Navalha de Occam. Segundo ele, em um fenômeno complexo, a explicação mais simples tende a ser a verdadeira. Então, se sua explicação ao Fisco envolve ser beneficiário de dinheiro sem origem proveniente de amigos, parentes ou empresas no exterior, fique atento. Porque a Receita sabe que a explicação mais simples é que você simplesmente está sonegando imposto.

Texto escrito por Ana Paula Rabello, publicado originalmente em DeclarandoBitcoin.

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