O Supremo Tribunal Federal (STF) está discutindo desde quinta-feira (26) se as demarcações de terras indígenas devem seguir o chamado “marco temporal”. Por esse critério, indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
A discussão inflama a guerra entre ruralistas e povos originários, pois a decisão do STF pode definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país.
Indígenas de todo o Brasil acamparam na Esplanada dos Ministérios em protesto contra o marco. Eles promoveram manifestação pelas ruas da capital federal a fim de pressionar o STF por uma decisão favorável aos seus interesses.

O tamanho do problema
Segundo o estudo chamado “Who owns Brazilian Lands?” publicado por um conjunto de pesquisadores brasileiros, 97 mil fazendeiros são donos de 21,5% de todo o território brasileiro. Enquanto 572 mil índios ocupam 13% do território.
Outra análise desse cenário realizada pelo projeto MapBiomas apontou que menos de 1% do desmatamento no Brasil entre 1985 e 2020 ocorreu em terras indígenas.
Como salienta a Coleção 6 do MapBiomas publicada neste mês: “O crescimento da área ocupada por atividades agropecuárias entre 1985 e 2020 foi de 44,6% no Brasil. Juntas, agricultura e pecuária ganharam 85 milhões de hectares no período”.
Hoje não existe um sistema único e centralizado para verificar quem é o proprietário de terras no Brasil. As propriedades são registradas em qualquer um dos 3.400 cartórios existentes nas diversas cidades brasileiras. O sistema é confuso e incentiva a corrupção na manutenção dos registros, o que alimenta os conflitos de terra.
Existem ainda cerca de 5 milhões de famílias que não têm terra própria no país. Nos últimos anos, o governo deu lotes estatais para pequenos agricultores, mas a maioria não legalizou essas terras por não terem dinheiro para pagar os serviços dos cartórios. Por outro lado, os ricos subornam e conseguem os registros das terras de outra pessoa, ou uma área maior do que aquela que realmente possuem. O problema é crônico.
Contudo, um sistema mais seguro e inovador, como o baseado em blockchain, poderia colocar um pouco de ordem e progresso no país que detém o título de recordista mundial em assassinatos de ativistas pelos direitos da terra.
Solução em blockchain
Os defensores desta tecnologia entendem que a blockchain pode reduzir as fraudes no sistema de registro de propriedades de terras no Brasil e, consequentemente, reduzir o conflito entre ruralistas e povos indígenas no país.

Um exemplo de como a tecnologia já está sendo usada no país é do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a maior empresa pública de prestação de serviços em tecnologia da informação do Brasil.
A estatal já utilizou a tecnologia blockchain em um projeto que possibilita a compra de títulos públicos por pessoas que não possuíam nem mesmo contas em banco. O sistema baseado em blockchain foi lançado no final do ano passado pela empresa e apresentado em diversos estados brasileiros durante o primeiro semestre deste ano.
Um outro exemplo do uso de blockchain para registro de terras acontece fora do Brasil, na Estônia o sistema “e-Land” já utiliza a tecnologia há anos para mais de 1 milhão de registros.
“O e-Land Register é um aplicativo web único que contém informações sobre todas as relações de propriedade e direitos de imóveis …. Atualmente, há mais de 1 milhão de imóveis no Registro de Terras.” afirmou o portal oficial do aplicativo governamental.
Voltando para o Brasil, o país também já realizou em 2019 a primeira transação imobiliária validada pelo blockchain e o que mais impressionou foi a velocidade de todo o trâmite. Todo o processo de escritura, lavratura e registro do imóvel levou apenas 20 minutos.
Além disso, até houve tentativas, como o PL 2.876/2020, de estabelecer na Lei de Registros Públicos que cada registro de título e documento deverá ser feito também no Sistema Eletrônico de Blockchain Nacional de Registro de Títulos e Documentos, porém o projeto ainda está em andamento no senado.
Como mencionei acima, o problema é crônico, mas pode ter uma solução mais inteligente e menos burocrática. Por enquanto, a discussão sobre o “marco temporal” ocorre na alta corte após anos de invasão e expropriação das terras indígenas pelos ruralistas. Adiante, a conversa poderá acontecer de forma mais descentralizada quando a tecnologia for implementada para assegurar o direito de propriedade de todos os brasileiros.
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