Desde o surgimento da internet, não existem quaisquer barreiras para se comunicar com qualquer pessoa do mundo (desde que ela não more em Cuba ou Coréia do Norte). Outro dia vi um youtuber de futebol que emigrou da África para o Reino Unido falando sobre um jogo do Campeonato Brasileiro e fazendo referência ao Naruto no vídeo dele.
Consumir qualquer cultura, conteúdo, notícia, se tornou muito fácil. Todo mundo vai falar: nossa, é o auge da globalização, certo? Errado. A comunicação foi facilitada por causa da internet, rádio e tv. Para falar a verdade, em outras questões, o nosso planeta é menos globalizado do que no século XIX.
Acha absurdo? Eu também acho. Mas precisamos entender como chegamos nesse ponto. Por que eu vou parecer um maluco falando merda. Quando eu começar a expor os meus principais argumentos aqui, você vai perceber que eu não sou doido.
Imigração e a globalização
Incrivelmente, havia menos barreiras de imigração e trânsito de pessoas no começo século XX do que hoje. Basicamente, o trânsito de pessoas era irrestrito. Está insatisfeito com a vida no Brasil? Era só entrar em um navio rumo a Nova York ou qualquer país da Europa em busca de oportunidades.
Antes da Primeira Guerra Mundial, mal havia necessidade de passaportes para viajar dentro da Europa ou para a América. Não tinha um sistema único de passaportes ou qualquer tipo de exigência. Você poderia viajar de trem, navio, carroça ou qualquer outro meio sem passaporte.
Na verdade, o passaporte havia sido criado pelo Império Austrohúngaro para distinguir civis de soldados e permitir o livre trânsito de pessoas.
Na Europa Medieval também era possível viajar ou morar em qualquer país sem a necessidade de vistos e uma pilha de documentos. Em casos de guerra, o tráfego de pessoas se tornava mais restrito, mas ainda assim, havia mais liberdade no trânsito de pessoas do que hoje.
Tudo começou a mudar com a Primeira Guerra. Governos europeus passaram a impor barreiras de imigração e trânsito de pessoas, passando a exigir a passaportes. Você só poderia emigrar para qualquer país caso tivesse “habilidades úteis” para aquele governo.
Os controles foram mantidos mesmo com o fim da guerra. Além de terem sido mantidos, o nível dos controles aumentou. Especialmente depois da conferência da Liga das Nações, que buscou padronizar os passaportes e todo o sistema que conhecemos hoje.
O livre trânsito de pessoas e a emigração retornaram com a União Européia e acordos de livre comércio. Mas ainda assim, é mais restrito do que pode ser observado no final do século XIX e no começo do século XX. Também é possível observar isso nos acordos de comércio entre países de um determinado continente.
Se falamos do trânsito de pessoas, imagina o trânsito de mercadorias? Enquanto pessoas celebram a globalização, as duas maiores potências do planeta (EUA e China) estão travando uma dura guerra comercial. Trump quer construir um muro na fronteira com o México e o Reino Unido quer vazar da União Européia com o Brexit.
Trump taxa o aço brasileiro, mercadorias da China, nós taxamos as bugigangas chinesas e mercadorias americanas com a desculpa de manter a “nascente indústria brasileira” que está nascendo desde os anos 30. Os acordos comerciais só têm o objetivo de fechar um bloco oligopolista e restringir o comércio de páises de fora desse bloco.
Obviamente, isso não é de hoje. Essas coisas existem desde o mercantilismo. O impressionante é continuar a mesma coisa ou até pior no mundo globalizado que tantas pessoas falam por aí.
Dinheiro e globalização
Basicamente, o trânsito de pessoas e mercadorias entre países era melhor e menos restrito do que hoje. Mas ainda falta falar sobre o dinheiro, que foi o que mais sofreu transformações nessa transição.
Dinheiro é a língua universal ou algo equivalente a torre da Babilônia antes de ser destruída. Ele tem uma interessante história, que conto nesse post aqui. Antes da criação dos bancos centrais, as moedas mundiais eram Ouro e Prata. Cada país tinha seu próprio papel-moeda, mas ainda assim, eram conversíveis em Ouro e Prata por qualquer cidadão.
Ou seja, existia um fluxo mais livre de dinheiro. Afinal, o Ouro não tem nacionalidade. Ele não é diferente nos Estados Unidos e no Brasil. Mas passou a ser diferente quando os Bancos Centrais tomaram conta e restringiram a conversabilidade do papel-moeda para Ouro.
Agora, se você quiser viajar, será necessário realizar o câmbio, pagar IOF, spread e sabe-se lá quantas taxas. O cartão de crédito facilita essa troca, mas você fica sujeito a volatilidade do câmbio até o dia do vencimento da fatura. Além disso, a operadora do cartão cobra uma diferença na taxa de câmbio e ganha duas vezes.
Caso um americano venha para o Brasil, não poderá pagar com seus dólares. Não é que os brasileiros não aceitariam, é que eles seriam presos caso optassem. A moeda virou a principal ferramenta do governo para manter sua soberania territorial.
Agora os governos obrigam a população a usar a moeda que os bancos centrais imprimem. Não existe mais uma única moeda mundial, como ocorria com o Ouro. É válido que o Euro pode até funcionar, mas ainda assim, limitado a países dentro daquele bloco.
Antes da primeira Guerra, o fluxo de dinheiro era mais livre (mesmo com a incipiente existência dos Bancos Centrais). Esse fluxo passou a se tornar restrito conforme novas guerras e acordos foram surgindo. Hoje é cada país com sua moeda, no seu bloco.
Conclusão
Se a internet conectou pessoas do mundo inteiro, ainda existem inúmeras barreiras a serem vencidas. A globalização não é isso tudo o que dizem os jornais, especialistas e outras pessoas empolgadas com alguma propaganda da Coca-Cola.
Não consigo sair do Brasil sem passaporte e visto (para alguns países). Quem quiser tentar a vida em outro país, vai ter uma outra vida só para separar a documentação. Boa sorte pagando caro para fazer câmbio para dólar ou Euro.
É tanta documentação, tanta burocracia, que nossos avós ou bisavós jamais imaginariam passar por isso. Tudo mudou com a primeira guerra mundial, a ascensão do fascismo e social-democracia. A internet é uma luz, mas ainda existe um grande caminho a se percorrido. A globalização, hoje, é uma ilusão.