Volta e meia me deparo com negacionistas da matemática e mágicos da contabilidade que fazem os mais variados malabarismos para defender uma mentira: de que a previdência não tem déficit e é sustentável. Para quem acredita nisso, a solução é simples: é só o governo cobrar a dívida previdenciária das empresas.
Quem pensa nesses tipos de soluções, geralmente não tem uma boa compreensão de causa e efeito. É como se fosse jogar Sim City: é só apertar um botão que tudo está resolvido. Acontece que a realidade não é tão simples.
41% da dívida é irrecuperável
Para começar, tem empresas que de fato devem milhões, sim. Atualmente, a dívida ativa é de R$ 449 bilhões, que é compartilhada entre Empresas, pessoas físicas, estados e municípios. 41% desse débito é irrecuperável, até porque muitas empresas contidas nessa dívida declararam falência.
A Varig, sozinha, deve quase R$ 4 bilhões aos cofres da Previdência -, Vasp (R$ 1,8 bilhão) e Transbrasil (R$ 716 milhões), o jornal Gazeta Mercantil (R$ 449 milhões), a editora Páginas Amarelas (R$ 389 milhões), a emissora TV Manchete (R$ 291 milhões) e a Unimed Paulistana (R$ 181,9 milhões).
Não adianta cobrar dessas empresas. Elas não vão pagar, o motivo é simples: não existem mais. Entre os maiores devedores estão algumas prefeituras, como a de Campinas, por exemplo. Nesse caso, a União deveria cobrar dos seus próprios municípios.
Dada a estrutura de distribuição orçamentária do Brasil, é pouco provável que prefeituras tenham dinheiro para pagar dívidas milionárias. Ainda que pagassem, é pouco provável que esse pagamento seria feito à vista. Algumas dívidas levariam anos para serem quitadas.
Mas suponha que, por mágica, o governo conseguiu cobrar e os devedores pagaram tudo à vista. Na cabeça de quem acredita nisso, os problemas acabariam. Não seria mais necessária a reforma da previdência, estaríamos salvos, com nossos direitos sociais garantidos.
A dívida não é o suficiente
A questão é que mesmo cobrando essa dívida, ela talvez cobriria 1 ano de défict, sendo paga à vista. E depois? Vai pedir Auditoria da Dívida cidadã, que é um nome mais bonito para Calote da Dívida Pública. Falta a compreensão da causa e efeito.
Essas soluções criativas pouco adiantam. Mesmo que na metodologia contábil de alguém, a previdência tenha alguns trocados de superávit, ela já está condenada ao fracasso, porque essa análise só considera o presente sem olhar para o futuro.
O que temos hoje é a inevitável lógica do tempo e da matemática: brasileiros envelhecendo, vivendo mais e tendo menos filhos, a.k.a inversão da pirâmide etária. Se antes a gente tinha 9,2 jovens para sustentar 1 idoso, hoje temos 5. No futuro isso tende a piorar, tornando a previdência insustentável (entenda mais aqui).

Pirâmide
Ela, por si só é uma pirâmide ponzi (entenda mais aqui). Ao entrar no mercado de trabalho, o jovem não cria uma conta poupança, onde é depositado o desconto do INSS. Ele sustenta quem está se aposentado agora.
Tal qual um esquema de pirâmide, ele entra em colapso quando o fluxo de novos entrantes diminui, tendo um grande número de pessoas dependendo desses novos trabalhadores.
A previdência social já representa mais da metade dos gastos da União, HOJE, segundo dados de uma pesquisa do Insper. No futuro, a tendência é que esses gastos aumentem, diante de uma população mais idosa.

Como consequência retirados dinheiro da educação, saúde e investimentos da União. Isso significa que em alguns anos, o governo só existirá para pagar a aposentadorias.
“A” reforma é necessária, digo, uma que resolva de forma eficaz o problema, mudando completamente a dinâmica que já ocorre hoje. Caso passe apenas “uma” reforma, daqui a 20-30 anos você estará lendo esse mesmo texto.