A senadora democrata Elizabeth Warren apresentou, na quarta-feira (14), um projeto de lei que ameaça seriamente o futuro dos ativos digitais nos Estados Unidos.
Chamada de Lei Antilavagem de Dinheiro de Ativos Digitais de 2022, a proposta classifica desenvolvedores de carteiras, custodiais ou “não hospedadas”, mineradores, validadores e outros tantos participantes das redes de criptoativos como empresas de serviços financeiros.
Além disso, o projeto proíbe instituições financeiras de lidarem com moedas de privacidade, como a monero, e até mesmo ativos que, embora não sejam naturalmente privados, tenham utilizado tecnologias que aumentem sua privacidade, a exemplo do CoinJoin.
Segundo Peter Van Valkenburgh, diretor de pesquisa no CoinCenter e formado em direito pela Universidade de Nova Iorque, isso obrigaria qualquer pessoa envolvida na infraestrutura de blockchains públicas a identificar e armazenar dados pessoais de todos que utilizarem seus “serviços financeiros”, desenvolver programas AML (sigla em inglês para antilavagem de dinheiro) que bloqueiem pessoas suspeitas de utilizarem dinheiro oriundo de crime e a enviar relatórios sobre usuários mesmo sem mandados, requisições governamentais ou fundadas suspeitas.
Além disso, proibir a utilização de mecanismos de privacidade é tirar qualquer possibilidade de as criptomoedas agirem da mesma forma que o dinheiro em espécie, impedindo que seus usuários tenham qualquer tipo de privacidade ao utilizá-las.
Todas essas exigências condenariam o ecossistema cripto a funcionar como o sistema financeiro tradicional, só que piorado. Toda a vigilância das finanças tradicionais seria replicada, mas sem a vantagem da rapidez proporcionada pela sua centralização.
Entretanto, o ataque perpetrado pela senadora Warren não é nenhuma surpresa. Ela é conhecida por ser uma ferrenha opositora das criptomoedas, já tendo virado meme quando disse que cripto coloca o sistema financeiro sob os caprichos de “um grupo sombrio e sem-face de super programadores e mineradores”, mais parecendo descrever uma organização criminosa de alguma distopia cyberpunk do que pessoas comuns se comunicando através de um protocolo novo.
Inconstitucionalidade e novilíngua
A constitucionalidade da legislação proposta é altamente discutível. Os Estados Unidos possuem uma longa jurisprudência que garante a desenvolvedores de software a proteção constitucional à liberdade de expressão (Primeira Emenda), iniciada no caso Bernstein v. Department of Justice.
“Assim como música e equações matemáticas, linguagem de computador é somente isso, linguagem, e ela comunica informação ou para um computador, ou para aqueles que conseguem lê-la”, declarou, em 1996, a juíza Marilyn Patel.
Além disso, Valkenburgh sustenta ser possível que o projeto também viole a Quarta Emenda, pois autoriza que desenvolvedores e mineradores “coletem e relatem, sem nenhum mandado, informações privadas sobre usuários de criptomoedas, mesmo que essas informações não sejam voluntariamente fornecidas por eles ou não sejam, de nenhuma forma, relevantes para o propósito comercial do desenvolvedor ou minerador”.
É bastante relevante notar a novilíngua utilizada na redação da lei. Novilíngua é um termo que foi criado por George Orwell na sua obra 1984, onde é o nome de um idioma que foi deliberadamente manipulado para influenciar e controlar o pensamento dos cidadãos. O termo “carteiras não hospedadas”, que é utilizado pela senadora, nunca foi utilizado na comunidade cripto, que se refere à mesma coisa como “carteiras não custodiais”. Trata-se de carteiras que não estão nas mãos de negócios centralizados, como corretoras ou bancos, mas com seus próprios donos, como carteiras de software, carteiras físicas ou, até mesmo, carteiras de papel ou mentais.
Tanto a senadora quanto a comunidade cripto não se referem à outra opção como carteiras “hospedadas”, mas como carteiras “custodiais”. Nesse caso, o usuário confia que terceiros garantirão a segurança dos seus ativos. O problema, porém, é que isso nem sempre acontece. Tivemos exemplos e mais exemplos recentes de que, muitas vezes, esses terceiros não possuem os ativos que prometem custodiar, podendo causar perdas bilionárias aos seus usuários.
A escolha exótica de nomenclatura não é despropositada. O termo “não custodial” dá a entender exatamente a realidade, ou seja, que o usuário não está delegando a custódia de suas moedas a um terceiro, o que traria uma série de riscos. Já “não hospedada” dá a entender que o correto seria “hospedar” a carteira de alguma forma, insinuando que aqueles que optam por “não hospedar” suas carteiras estão sendo irresponsáveis ou maliciosos, quando a realidade prova justamente o contrário.