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Centralização na Lightning Network: apenas 5 entidades dominam o novo “sistema bancário”

Centralização na Lightning Network

Uma preocupação constante para os entusiastas das finanças descentralizadas diz respeito aos incentivos à centralização na Lightning Network – rede de segunda camada do Bitcoin. Atualmente, apenas 5 entidades dominam mais da metade de toda a liquidez, criando uma espécie de cartel e dependência, muito semelhante ao sistema bancário tradicional.

Incentivos de centralização na LN

Em 2018 explicamos aqui no Cointimes o funcionamento do protocolo da Lightning Network, com ajuda de um infográfico bem didático da Foxbit.

Como a Lightning Network funciona?

Funcionamento: basicamente duas pessoas (nodes) podem abrir um canal através de um contrato bilateral e, com o protocolo da LN, transacionar bitcoin entre si diversas vezes antes de finalizar o contrato e repassar o saldo final das contas para a blockchain – podendo fazer dezenas de transações off-chain com apenas duas transações on-chain: Abertura e fechamento de canal.

Esta ideia é muito interessante e, desde então, o protocolo foi evoluindo com novas implementações e soluções, criando uma comunidade muito forte de entusiastas desta nova rede que começava a se formar, mas existe um pequeno problema que ou (a) surgiu com o tempo; ou (b) teve sua possibilidade ignorada no passado.

Enquanto o funcionamento da Lightning for aplicado com aberturas e fechamentos de canais auto-soberanos, tudo certo. A proposta pode ajudar a diminuir a saturação na primeira camada, aumentando a escalabilidade limitada pelo máximo de 7 transações por segundo do Bitcoin e diminuir a quantidade de taxas por transações pagas aos mineradores, mas apenas esta solução não chega a ser uma “solução de rede (network)” – mas sim de pares fazendo acordos bilaterais que poderiam ser feitos através de uma planilha de excel e um contrato de papel.

Como a rede da LN é formada com roteamento e liquidez

A solução de segunda camada se diferencia ao possibilitar a criação de uma rede, onde um Node A não precisa necessariamente ter um canal aberto com o Node C, já que ele poderia ‘rotear’ sua transação através do Node B que tem canal aberto com ambos.

Para isso acontecer, B precisa aceitar ser um roteador e disponibilizar uma liquidez de BTC em seu node para este fim. Vou demonstrar rapidamente como o roteamento funciona, para que você possa entender a questão de centralização na Lightning Network.

Como muitos pensam que o roteamento funciona na LN:

  • Node A avisa Node C que vai enviar uma Tx (transação) por Node B;
  • Node A → Node B → Node C

Como o roteamento realmente funciona na LN:

  • Node C avisa Node B que vai receber uma Tx (transação) por Node A;
  • Node B → Node C
  • Node B avisa Node A que já enviou o valor para Node C
  • Node A → Node B

Percebe que, para que A chegue até C; B precisou retirar de seu próprio saldo antes. Claro que tudo isso ocorre de forma quase automática e muito rápida pelos contratos inteligentes desenvolvidos pelo protocolo, mas o que quero demonstrar é que o roteador (B) sempre precisa ter um saldo suficiente da Tx de A → C. Este saldo é a chamada liquidez.

O negócio de nodes roteadores e a centralização na lightning network

Disponibilizar liquidez pode “sair caro” para o node por (a) custo de oportunidade, ao não poder usar os bitcoins; e (b) riscos envolvidos na operação, que existem, como perdas de valores, participantes maliciosos, falhas, etc.

Desta forma, os nodes roteadores podem estabelecer taxas de roteamento de forma totalmente arbitrária, segundo sua própria avaliação de custo/risco e desejo de lucro. Claro que o livre mercado cria um cenário competitivo, que “controla” as taxas conforme oferta e demanda do serviço.

Quanto mais canais o node de roteamento abre com outros pares, mais liquidez ele precisa ter disponível, mais transações ele consegue rotear, ganhando mais em taxas. Um node de roteamento pode se conectar com outro node de roteamento, sem limitação, sempre respeitando o protocolo explicado acima, mas com taxas cumulativas a cada novo salto (hop), ou roteamento.

Para o usuário, é preciso encontrar o equilíbrio entre as melhores taxas e os nodes com mais conexões, para conseguir fazer transações com o maior número possível de nodes na rede de forma direta. Então se um usuário consegue se conectar com um grande Hub que tem conexão direta com vários outros nodes, ele não precisa passar por intermediários dos intermediários e pode economizar em taxas.

Hub’s (centros ou pólos) são nodes que conseguem muitos pares diretos. E é aí onde começa a surgir o problema de centralização na lightning network, pois os incentivos econômicos acabam levando para esta conclusão lógica.

Quanto maior o Hub, mais transações ele roteia, mais taxas ele ganha e mais ele pode investir em liquidez e hardware, melhorando a experiência dos usuários que se conectarem com ele. É uma economia de escala que leva inevitavelmente à centralização na LN.

Nodes menores não conseguem competir, pois precisam de múltiplos intermediários (hops) até chegar ao destino da transação, trazendo mais taxas para os usuários.

Um novo sistema bancário dominado por 5 entidades

Se pensarmos bem, este funcionamento não é muito diferente do sistema bancário como o conhecemos, onde usuários precisam se conectar com bancos que se conectam entre si ou entre outros usuários do mesmo banco. Permitindo que as pessoas enviem ou recebam dinheiro entre si, dependendo de que o banco tenha liquidez para “rotear” estas transações.

Quanto maior o banco, mais liquidez ele consegue fornecer, mais usuários ele atrai, mais competitivas são as taxas que ele oferece, criando um ciclo vicioso. O pix, por exemplo, funciona de maneira parecida. Com os bancos sendo Hubs e as pessoas só conseguindo enviar ou receber dinheiro entre si com a ajuda (dependência total) destes intermediários.

Satoshi Nakamoto percebeu este problema lá atrás e publicou o whitepaper do “Bitcoin: um sistema de dinheiro eletrônico ponta-a-ponta” que visava solucionar este problema, mas hoje muitos “entusiastas do bitcoin” tentam convencer as pessoas que a Lightning Network e o sistema de Nakamoto são a mesma coisa, ou é substituível. Não é.

Muitos críticos da lightning – eu inclusive – vêm avisando destes problemas e dessa tendência de centralização na LN faz tempo, mas os avisos foram muitas vezes ignorados ou silenciados, por pessoas que querem fazer parte deste novo sistema bancário, inclusive se beneficiando ao oferecer o serviço de intermediação ganhando taxas com o roteamento de transações.

Até então, nossas críticas eram apenas teóricas, ao entender os incentivos de centralização na lightning network explicados neste artigo, mas a teoria só dura tempo suficiente até que a realidade bate à porta e possa ser demonstrada de forma prática. 

No dia 29 de junho, o entusiasta da lightning, Kevin Rooke, publicou um tweet comemorando um novo banco node disponibilizando 201 BTC de liquidez para rotear transações na rede.

Estes são os top 5 hubs da LN em liquidez disponível:

Top 5 nodes em liquidez. Centralização na LN

A conhecida conta no Twitter, Seth for Privacy (@sethforprivacy) notou o problema com este aumento de liquidez, mostrando a centralização na LN, já que, com isso, apenas 5 entidades controlam agora mais da metade de toda a liquidez na lightning (~2.260 BTC). 

Como alguns podem reparar, os dois maiores nodes “BFX–…”, com 713 BTC (31% dos 2,26k) pertencem à mesma empresa: Bitfinex. Então nesta imagem estão apenas as 4 maiores entidades. A quinta, alcançando mais da metade da liquidez, seria o node LNBIG, conforme explicado nos comentários do tweet.

Conforme estes grandes hubs dominam o mercado, existe uma tendência gradual de centralização na lightning network com o tempo. E só o tempo irá provar esta teoria.

Como eu gosto de chamar esta rede bancária que está surgindo: “Lightning Network: um sistema bancário eletrônico hub-to-hub”; em comparação com a proposta do Bitcoin por Satoshi Nakamoto.

Algumas pessoas começam a perceber a centralização na LN “sem querer”

Um usuário no Twitter compartilhou uma imagem de uma discussão no subreddit /r/lightningnetwork, onde alguns entusiastas, “sem querer”, descobrem as semelhanças desta rede com o sistema bancário tradicional. Ele diz:

“Eu *adoro* quando as pessoas nesses tópicos acidentalmente descobrem tudo, e nem percebem.”

– Lisandro Pin
usuário da lightning percebendo a centralização na lightning network e a semelhança com o sistema bancário.

Após um usuário questionar a semelhança após uma explicação de outro usuário:

“Isso é por design. Se os canais não puderem obter receita suficiente com as taxas de roteamento, eles não terão incentivo para executar o nó. O projeto é para ter menos nós centralizados,mas que sejam maiores. Conectando usuários finais que precisam ser preparados para pagar uma taxa competitiva para que suas transações sejam roteadas. De que outra forma protegeremos o blockchain?”

– wildlight

“Isso não é apenas replicar a rede bancária existente?”

– GunterWatanabe

O problema do controle de liquidez

Um dos grandes problemas da centralização na lightning network, neste caso específico, não é o controle dos fundos, mas o controle de seu próprio “caminho” — onde outros nodes são conectados através da liquidez deste hub.

Caso a tese continue se provando verdadeira, quanto menos entidades controlarem uma maior porcentagem da liquidez, mais “caminhos” eles controlam. Podendo criar regras próprias para que os usuários utilizem seu serviço (como qualquer empresa) e, por consequência, estes caminhos de transações.

Estas regras poderiam, eventualmente, se transformar em censura de transações ou nodes, tabelamento de taxas, exigência de identificação (KYC), entre outros supostos problemas decorrentes da centralização — dando a opção de escolha para os usuários buscarem outras formas de concluir sua transação, talvez pagando mais caro pelo serviço (se ainda houverem concorrentes) ou abrindo canais diretamente com o destinatário.

A gravidade destes pontos depende apenas de quanto cada entusiasta realmente valoriza a descentralização. Na minha opinião pessoal, quanto mais descentralizado, melhor. Dentro dos limites possíveis da descentralização.

Então se (a) tenho uma escolha entre utilizar uma rede e um protocolo que incentivam alguns tipos de centralizações com o tempo; e (b) tenho a escolha de utilizar outra que não sofre destes problemas… Eu escolherei a segunda. A decisão é pessoal de cada um.

Já existem alternativas mais descentralizadas e que não dependem de que algum node — como o do influencer e destas 5 entidades — fornecerem liquidez para que as pessoas possam transacionar entre si. Minha preferida é a Nano (XNO), mas não é a única.

Eu sempre escolherei a opção com melhor relação eficiência vs descentralização e a Lightning falha em ambas, na minha opinião.

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