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Como a Grande Crise afetará o Bitcoin?

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Um artigo do economista Adeilton Filho.

Muito tem se falado de uma eventual grande crise econômica que estaria por vir mediante a crescente dívida das principais economias do mundo.

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Embora diferente da crise do subprime de 2008 esta nova crise seria provocada pela falta de liquidez, uma herança ainda do grande crash daquele ano, que certamente, de modo cumulativo, teria proporções ainda mais catastróficas para a economia mundial.

Sendo o Bitcoin a invenção datada também daquele ano como uma solução de moeda autêntica, onde não haveria a interferência monopolista do estado, estaria assim a criptomoeda blindada contra crises globais? A tentativa de uma resposta será apresenta neste texto.

Um resumo da crise

Em síntese, como alternativa para sair da crise do suprime de 2008, os bancos centrais das principais economias do mundo injetaram liquidez no sistema contraindo parte das dívidas de diversas empresas ao redor do mundo, principalmente dos bancos, assim como necessitaram fazer continuamente rodadas de injeção de liquidez ao longo dos anos seguintes.

E como se não fosse o bastante, houveram estímulos fiscais para fazer a roda da economia girar, como também reduziram drasticamente as taxas de juros, que em alguns países chegaram a ficar negativas.

Deste modo a relação entre a dívida e o PIB de economias como: China (50%), Índia (69%), União Europeia (82%), Reino Unido (82%), EUA (106%) e Japão (238%), ficaram próximas ou muito superiores a 70%, como também sem a possibilidade de reduzir as taxas de juros, o cenário se encontra bastante preocupante, onde se vislumbra a possibilidade de uma crise sistêmica sem precedentes.

Apesar dos números alarmantes ainda existem controversas entre algumas escolas econômicas sobre os reais impactos de uma conjuntura como essa.

Mas independente se essa crise irá ou não ocorrer, por conta dessas circunstâncias, é quase certo que crises financeiras são fenômenos cíclicos e que certamente haverá uma próxima.

A blindagem de ouro

Por conta dos fenômenos cíclicos das crises financeiras, alguns ativos são utilizados para a proteção, também conhecido como ativos usados para hedge. Alguns desses ativos têm em comum o fato de apresentarem uma peculiaridade natural da moeda, que é atuar com reserva de valor, portanto, mantendo o seu valor, ou poder de compra ao longo do tempo.

Para se fazer hedge é necessário encontrar um ativo com correlação significativa positiva ou negativa. No caso dos ativos que mantêm a sua propriedade de reserva de valor, de um modo geral, apresentará uma correlação negativa com qualquer outro ativo especulativo da bolsa. Esse é a peculiaridade de alguns metais como platina, prata, ouro, etc.

O ouro tem o título de ativo mais seguro do mundo! E esse título não é à toa, pois, trata-se de um metal extremamente popular, belo e versátil, com muitas utilidades, tendo assim muita procura em qualquer parte do mundo, e, em praticamente qualquer época da civilização humana, que aliado a uma escassez natural fazem do ouro o ativo de proteção por excelência.

O que realmente faz o ouro ser um ativo de proteção é sua capacidade de manter seu valor ao longo do tempo, e essa qualidade provém do fato de que existe no ouro um valor subjacente ao especulativo, que é derivado do consumo, ou seu uso no processo de produção. Diferentemente de um derivativo ou uma ação na bolsa de valores, o ouro não necessita da confiança.

Os papéis da bolsa apenas concentram uma expectativa de valorização, por isso são chamados de ativos de especulação. Diante de uma crise não há o que especular, a desaceleração econômica reflete de modo geral o ritmo do consumo e consequentemente na queda dos preços, todas as empresas sentem o choque, algumas terão apenas redução no seu lucro ou irão ter prejuízos, mas outras certamente falirão.

Assim, a especulação no curto prazo é abandonada mediante a certeza de um ritmo menor da economia, não se sabe qual será o futuro de uma empresa, por melhor que esteja estruturada, pois, torna-se incerto o que ocorrerá com seus fornecedores, credores, ou consumidores. Na crise a economia encontra-se em pânico!

Como mencionado, o nível de preços cai, e no curtíssimo prazo inclusive o do ouro, porém ao contrário dos ativos de especulação, na qual os agentes mudaram suas expectativas, o ouro permanece o mesmo, com todas as suas qualidades preservadas, sendo pois um ativo de segurança, assim, os agentes migram dos papéis incertos para a estabilidade do metal, e essa migração faz o preço do ouro disparar, podendo até bater alguma marca histórica.

Logo, o mérito do ouro é manter suas propriedades e consequentemente o seu consumo.

Bitcoin é o ouro digital?

Sem dúvidas o ouro protegerá as economias de quem o tiver durante uma crise global, mas e quem tiver Bitcoin?

Seria o Bitcoin realmente o ouro digital? Essa não é uma pergunta fácil de responder, pois depende em essência do comportamento dos agentes, após o impacto inicial da crise. Para auferir tal diagnóstico inicialmente, deve-se questionar, e comparar o comportamento dos agentes entre o ouro e o bitcoin.

Sabemos que o bitcoin foi desenvolvido para simular o ouro digital, portanto por design o bitcoin é melhor que o ouro como meio de troca na atual e moderna economia. E isso é fantástico! O bitcoin assim como o ouro é resistente e durável, é escasso, e pode-se verificar facilmente a sua autenticidade.

O fato de ser digital é o que, em parte, possibilita transacionar rapidamente por todo o mundo sem custódia de terceiros. É simples e não requer grandes espaços para o seu armazenamento, podendo até ser armazenado apenas na mente (brainwallet).

Porém, ativos físicos como o ouro são utilizados pela humanidade há milênios, enquanto que arquivos digitais estão na sociedade há poucas décadas. Isso influencia drasticamente em sua popularidade e consequentemente em seu consumo na indústria e em toda economia.

Engana-se quem pensa que o bitcoin, não tem valor de consumo, e que seu valor é somente fiduciário, no qual seria como o papel-moeda, onde seu valor estaria apenas presente na confiança dos quais os usam. A diferença é que a demanda por blockchain pela indústria, e na economia como um todo, ainda é ínfima, pois está em seu estágio embrionário.

Portanto, embora o bitcoin tenha a potencialidade de superar o ouro como reserva de valor. Se faz necessário um gigantesco aumento em seu consumo, ou seja, um aumento no uso de sua blockchain, por meio de uma utilização maior como moeda no comércio, por exemplo, nas compras do dia a dia, como também no registro de outras informações que a indústria possa demandar. Esses fatores fariam seu consumo aumentar gerando maior valor, e consequentemente um enorme aumento nos preços de forma mais distribuída e estável.

O que o mercado pensa do Bitcoin?

Enquanto seu consumo ainda é pequeno, seu preço passa a ser influenciado não só pelos seus fundamentos, mas também baseado na especulação, portanto a formação de seu preço não é de todo diferente de um derivativo ou um índice da bolsa de valores. Como por exemplo o S&P 500 (Standard & Poor’s 500).

O S&P 500 é um importante índice composto por quinhentos ativos cotados nas bolsas de NYSE ou NASDAQ, qualificados devido por seu tamanho de mercado, sua liquidez e sua representação de grupo industrial. Logo, pode-se testar a sua correlação com o bitcoin e o ouro para ver como o mercado interpreta esses ativos.

correlação do Bitcoin com S&P 500

No gráfico acima, nota-se que o bitcoin apresenta correlação positiva em sua série histórica, se comparado com S&P500 no mesmo período, isso significa que quando o índice da bolsa sobe o bitcoin também tende a subir com uma correlação, de aproximadamente 0,8.

Mas quando correlacionado com outras variáveis, como o aumento do consumo, a correlação com o S&P500 passa a não ter o mesmo nível de significância, é por isso que os investidores dizem que o bitcoin de uma maneira geral não se correlaciona com nenhum ativo da bolsa. 

Logo, não é a alta do S&P500 que faz o bitcoin subir, mas o que fez o S&P500 subir, guardadas as devidas proporções, também influência de alguma forma na escalada do preço do bitcoin.

Embora seja a correlação positiva já esperada mediante a baixa utilização da blockchain na economia, na qual a formação de preços do bitcoin apresenta uma parcela de influência da especulação por investidores, por design, assim como o ouro, o bitcoin deveria apresentar uma correlação negativa.

Correlação do preço do ouro com S&P 500

No gráfico acima é possível ver a correlação negativa entre o ouro e S&P500 durante a série história que se iniciou em agosto de 2010, o mesmo período da série histórica usada para o bitcoin, assim, o ouro atua como uma excelente reserva de valor, onde tende a subir quando o índice da bolsa cai com uma significativa correlação de 0,63.

Correlação do preço do ouro com Bitcoin

No gráfico acima é possível ver a correlação negativa entre o ouro e o bitcoin, que pode significar que o metal ainda é superior ao bitcoin no momento atual como reserva de valor, com uma correlação pequena, porém, estatisticamente significativa de 0.28.

Assim, pode-se notar que a correlação negativa entre o ouro e o bitcoin é menor que o ouro e S&P 500, logo o ouro teria maior efetividade como proteção para o índice da bolsa.

O Bitcoin está pronto para uma crise?

Diante da potencialidade do bitcoin, pode se considerar um ativo de proteção de longuíssimo prazo, pois eventualmente pode crescer de maneira estratosférica, isso, é claro, desconsiderando os riscos que a própria tecnologia aufere com o passar dos anos, por meio das mudanças rápidas que ocorrem neste ambiente de alta tecnologia.

Mas o que os números sugerem é que ele ainda se encontra em um estágio intermediário entre um ativo de especulação e uma reserva de valor contra crises. Certamente, diante de uma crise, o que pesa na decisão de escolha dos agentes é o custo de oportunidade.

Para entender o custo de oportunidade, imagine uma situação em que um investidor fazendo aportes mensais em ativos da bolsa no acumulado entre 2010 e 2019 tenha um rendimento 192,32%, e que no mesmo período uma parte de seus investimentos esteja em ouro, e que este lhe tenha dado um rendimento de apenas 12%.

Assim, os recursos que o investidor colocou em ouro deixaram de quase triplicar, se estivessem nos ativos da bolsa. Esta perda é o seu custo de oportunidade.

Os agentes tendem a agir de modo racional, certamente é uma racionalidade limitada, porém ainda assim, suas escolhas de um modo geral serão para reduzir ao máximo, os seus custos de oportunidade.

Quando uma crise financeira vier, os investidores tradicionais migrarão seus recursos para outros ativos, numa medida desesperada por proteção, que certamente terá como opções o ouro e o bitcoin. Todavia tenderão a alocar a maior parte de seus ativos em ouro, ou qualquer outro metal que historicamente seja mais seguro que o bitcoin.

Embora uma migração pequena do mercado financeiro convencional, possivelmente apresentará uma alta violenta nos preços do bitcoin, é importante relembrar que nos primeiros momentos da crise haverá uma forte queda geral dos preços, inclusive do ouro.

Apertem os cintos!

No bitcoin certamente essa queda será muito violenta, pior ainda nos demais criptoativos, obviamente alguns deverão ser exterminados do mercado, stablecoins são os mais prováveis, pois tudo que se observa no bitcoin e nos demais criptoativos, são de proporções agigantadas.

A alta volatilidade do bitcoin e dos demais criptoativos, fazem desse mercado um investimento de alto arisco. Esse artigo não pretende entrar na discussão se risco é realmente volatilidade, porém, é fato, que se deve contabilizar o quanto do forte aumento, que haverá no valor do bitcoin, por meio de uma crise financeira, não será corroído antes, pela forte queda nos momentos iniciais da crise.

Durante a crise de 2008 o S&P 500 chegou a cair mais de 51%, algo devastador, afinal, trata-se de um índice que representa quinhentos ativos, caracterizando-se assim, uma crise sistêmica.

O ouro em fevereiro daquele ano estava em $130,54 e chegou a cair aproximadamente 28% em outubro com o seu valor em $94,22 e posteriormente chegaria a atingir um crescimento de mais de 150% ao atingir $234,04 em 2011.

Com o bitcoin não vai ser diferente, no início de uma eventual crise sistêmica, deverá cair bastante para somente depois retomar com um crescimento forte.

Aqueles que segurarem as suas criptomoedas durante a crise, ficarão com ativos de liquidez. E, em uma crise, liquidez é algo ainda mais precioso, embora grande parte de seu valor tenha sido reduzido pela própria crise.

Nos momentos posteriores com a redução do crédito, e sem a possibilidade da ação de bancos centrais como em 2008, as criptomoedas começarão a ter maior consumo.

Porém será necessário o ouro atingir seu ponto máximo para que o custo de oportunidade do ouro e demais ativos de proteção tradicionais aumentem, e consequentemente, que a dos criptoativos se reduza, para que se inicie uma migração mais substancial.

Essa migração ocorrerá pois as criptomoedas, em síntese, são ativos mais líquidos, se comparado aos ativos tradicionais. Em uma economia devastada por uma crise financeira sistêmica.

Criptomoedas, como o bitcoin, serão demandas para poder solucionar o problema das transações econômicas correntes, mediante a falta de dinheiro e crédito dentro da economia, assim, se tudo o mais constante, é possível supor um prelúdio de uma adoção maior das criptomoedas a nível global.

Logo, a crise será um divisor de águas, portanto, fragilizando o sistema econômico convencional, e abrindo espaço para uma verdadeira evolução das criptomoedas.

O que se pode concluir?

Vimos que o bitcoin e as criptomoedas no geral têm valor de consumo, porém ainda é ínfima mediante a sua demanda, voltada mais por questões de fundamento e especulação. Pode-se diagnosticar que o ouro ainda encontra-se superior como reserva de valor.

O mercado ainda não consolidou o bitcoin como um ativo de segurança, fazendo-se necessário mais tempo para que o bitcoin, se compare ao ouro, logo o bitcoin e alguns criptoativos estariam em um estado intermediário, porém com potencialidade, concebida com design superior ao ouro, que será uma vantagem no decorrer da crise.

Também, pode-se supor que o bitcoin, e consequentemente os demais criptoativos, terão uma fortíssima queda durante a crise, porém, aqueles, que por acreditarem na tecnologia segurarem as suas moedas, vislumbrarão uma forte alta, que em parte será corroída pela queda inicial, mas provavelmente será suficientemente grande para dar confiança ao mercado.

Entendemos a importância do custo de oportunidade, e vimos que será por meio da redução desses custo, mediante a alta consolidada de ativos de segurança, como o ouro, que abrirá espaço para a demanda por criptomoedas.

Por fim com a crise já instaurada, e a economia buscando a sua retomada, porém sem dinheiro ou crédito, e com os bancos centrais fragilizados, aqueles que seguraram as suas criptomoedas poderão ofertar liquidez ao sistema gerando uma forte demanda e consequentemente um aumento no seu valor. Sendo talvez o início da extinção do sistema convencional e a evolução dos criptoativos.

Esse texto é uma análise do economista Adeilton Filho.


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