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Venezuela e Criptomoedas: um caso de uso real

Por uma questão de princípios e ideologia, defensores de criptoativos são, em essência, defensores da liberdade ou libertários. O poder é distribuído e o usuário é quem detém o controle sobre sua vida, seus bens, incluindo o e seu próprio dinheiro eletrônico, ao possuir a senha privada que dá direito a transferência do recurso a quem convier.

A Venezuela foi um dos primeiros países a anunciarem a sua própria criptomoeda, e em fevereiro de 2018 anunciou o Petro. A ideia é que seja uma stablecoin lastreada em petróleo venezuelano e que permitisse o governo captar recursos estrangeiros, uma vez que existem sanções econômicas contra aquele país. Contudo, alguns meses depois percebe-se a adoção baixa e agora o governo tenta ativar o curso forçado.

A novidade deste mês por lá foi a decisão do governo em converter parte da aposentadoria paga pelo Estado para o Petro. A medida está sendo feita sem o consentimento dos cidadãos, segundo o Caracas Chronicles. A ação poderia ser vista como um apoio a criptoeconomia. Vamos avaliar o contexto para chegar a uma conclusão sobre isso.

Desigualdade

Há uma distorção de renda na Venezuelas: de um lado quem recebe dinheiro de fora e de outro quem recebe localmente. Restaurantes, hotéis de luxo e shoppings centers são frequentados por quem recebe em dólares, por exemplo o funcionário de multinacional recebendo o equivalente à matriz no exterior ou o turista.

Quem não se encontra nessas condições não consegue consumir desses produtos e serviços e acaba enfrentando filas por horas para conseguir itens básicos como carne, leite, produtos de higiene e remédios.

Onde entra o Bitcoin nesse contexto? A população venezuelana encontrou nas criptomoedas uma forma de combater a censura e sobreviver em meio ao caos. A situação da emigração ficou tão grave que há relatos de apreensão de bens de valor (jóias, relógio, etc) de venezuelanos que tentam deixar o país. Os criptoativos oferecem uma segurança contra estas apreensões.

O movimento de criptoeconomia na Venezuela começou em 2015 e hoje apresenta números interessantes. Considerando que a atividade de exchanges (como a Braziliex e a Foxbit) é proibida, as negociações de Bitcoin ocorrem majoritariamente pela plataforma LocalBitcoins, que conecta compradores e vendedores p2p (peer-to-peer, ou ponto a ponto, diretamente entre as pessoas).

O país já representa o quarto maior volume mundial na plataforma: semanalmente são negociados mais de 800 bitcoins, algo em torno de U$S 2,6 milhões.

De fato, em relação ao mercado de cripto, hoje em torno de US$ 140 bilhões, o movimento é inexpressivo. Agora considere os números locais nos últimos 3 anos, comparativamente com o Brasil:

venezuela criptomoedas
Comparativo LocalBitcoins Bitcoin Vs Reais & Bolívares

A leitura do gráfico deixa claro que o ativo é muito mais negociado na Venezuela do que no Brasil.

Usar Bolívares Fortes (VEF) tornou-se inviável dada à desvalorização da moeda, quando US$ 1 representava cerca de Bs.F 250.00, assim, em novembro de 2018 o Presidente Maduro lançou os Bolívares Soberanos (VES). A situação ainda é complicada, afinal US$ 1 ainda representam Bs.S 300, um valor quase três vezes maior do que em agosto de 2018.

Assim, muitas famílias venezuelanas aderiram a criptoativos por um motivo simples: proteção contra a inflação galopante. Outro motivo é o fato de existir subsídio energético: o custo da energia é cerca de 0.0000125$ per kW/h. Sim esse valor está em dólares e permite um lucro interessante numa operação de mineração de Bitcoins, uma atividade que é até regulada pelo Governo Venezuelano, um dos primeiros a fazer isso no mundo.

Outro caso interessante é que a Venezuela apresenta hoje uma das maiores comunidades do criptoativo Dash, do mundo: cerca de 1000 estabelecimentos aceitam Dash.

Voltamos a pergunta inicial: o fato da Venezuela lançar a sua moeda estatal e oferecer aos pensionistas poderia ser visto como algo positivo, na disseminação dos criptoativos. Contudo, infelizmente, o modelo adotado não é adequado aos princípios evocados no começo do artigo, uma vez que o Estado está centralizando as chaves privadas e pode eventualmente sequestrar as criptos.

Somente um criptoativo descentralizado como o Bitcoin permite a independência do usuário e o real controle dos bens.

Como conclusão, com criptoativos, já temos ferramentas para nos protegermos de coerção e ditaduras. Não é por acaso que a comunidade de Dash na Venezuela é uma das maiores, o criptoativo permite uma privacidade necessária em um regime autoritário. Assim, é necessário que essas informações sejam difundidas e o conhecimento transmitido para que possamos identificar e nos previnir sempre que a democracia esteja em cheque.

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Escrito por Luiz Calado (CEO da Braziliex e pós doc pela universidade da California em Berkeley) e Rudá Pellini (Co-founder & Head of Business Development da Wise&Trust)

Agredecimentos ao Renan Muniz, Winder Hernandez e Pirate Beachbum

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