Essa semana, o menino Ney gastou R$6 milhões em NFTs e agora faz parte do grupo de Bored Apes. A repercussão foi tanta que a discussão sobre o mercado NFT convergiu para vários argumentos econômicos interessantes.
Uma perspectiva defendida por Cauê Moura, que tentou teorizar sobre a definição de capitalismo e as relações de troca que ocorrem no mercado NFT, é de que a economia é um jogo de soma zero, isto é, que para algumas pessoas ganharem outras têm necessariamente de perder.
NFT
— cauezão (@cauemoura) January 23, 2022
Nerdola
Fez um
Tazo https://t.co/rk0VZriNYR
Além disso, no Twitter teve gente que não entendeu por que alguém compraria um tênis pegando fogo em NFT. Admitindo que a internet não é um meio para criação de riquezas, eles não acreditam que os NFTs tenham utilidade ou algum valor.
Mercado NFT para o homo economicus
Para colocar as ideias no lugar, e aproveitar a repercussão do menino Ney para contextualizar conceitos econômicos, vou te explicar por que o homo economicus compra um NFT. Senta que lá vem a história.
Primeira falácia
Cauê Moura defende a ideia de que A é pobre porque B é rico, A e B podendo ser pessoas, regiões, países, etnias, gêneros, etc. Tal suposição, derivada da teoria da exploração de Marx, não admite a dinamicidade da história – já que no fim nós progredimos sempre em direção ao socialismo.
Basicamente o que o criador de conteúdo está falando é que a economia seria uma espécie de bolo, cujo tamanho é fixo e representa toda a riqueza disponível. Sendo assim, cada indivíduo que se apossa de uma fatia está na realidade retirando esta fatia da boca de outro indivíduo.
Essa interpretação alternativa é desalentadora, pois implica que, em toda e qualquer transação, alguém seria o charlatão e a outra pessoa seria o enganado.
Contudo, as trocas comerciais não ocorrem somente entre bens com igualdade de valor. Se o bem A é trocado pelo bem B, então necessariamente o valor de A deveria ser igual ao valor de B. Consequentemente, nenhuma troca comercial poderia gerar valor, e sim apenas redistribuir valor. Só que não é bem assim que acontece na realidade, como desmistifica os estudos de Carl Menger, fundador da Escola Austríaca de economia.
Segunda falácia
O economista deixou claro que, para que uma coisa seja considerada um bem econômico, quatro circunstâncias devem ser observadas: deve existir uma necessidade humana; o bem precisa ser capaz de satisfazer essa necessidade humana; o indivíduo deve conhecer a adequabilidade da coisa em satisfazer sua necessidade; e, por último, o indivíduo tem que ter poder de disposição sobre esta coisa.
Na realidade material em que existimos, a imensa maioria das coisas, na forma como se encontram em seu estado natural, não nos permite satisfazer nossas necessidades.
Por mais que a banana esteja no cacho, nós ainda precisaremos alcançá-la com a mão e descascá-la para saciar a fome. Em outros termos, a matéria tem de ser trabalhada e transformada por meio do trabalho (e de investimentos).
Em segundo lugar, a incapacidade da banana em satisfazer diretamente nossas necessidades advém do fato de que nós também não conhecemos todas as suas combinações e usos possíveis.
A tecnologia, a arte de ordenar a matéria para que ela gere o resultado desejado, também não cai do céu; antes, ela deve ser descoberta por meio da investigação e da experimentação, duas atividades que, por sua vez, requerem o uso de outros bens econômicos (instrumentos).
Por fim, existe mais um adendo. Por mais adequado que seja um bem em satisfazer nossas necessidades, ele será totalmente inútil se não o tivermos ao nosso alcance. Por isso nós temos que produzi-lo e distribuí-lo.
O homo economicus, ser racional, é um produtor especializado e, ao mesmo tempo, um consumidor insaciável. Demandamos os mais amplos e variados bens econômicos e, em troca, podemos apenas ofertar nossa extremamente limitada e específica especialização. E, ainda assim, as trocas ocorrem.
“Por que então alguém compraria um tênis pegando fogo em NFT?” – perguntam os jovens no Twitter.
Em toda e qualquer transação comercial, cada lado atribui àquele bem que está recebendo um valor subjetivo maior do que aquele bem que está dando em troca. E é só por isso que ele faz a troca.
Afinal, se não fosse assim — se você não valorizasse mais aquilo que está recebendo do que aquilo que está dando em troca —, a transação simplesmente não ocorreria.
Quem popularizou a descoberta de que o valor dos bens não é objetivo, mas sim subjetivo, foi justamente Carl Menger. Em decorrência disso, conclui-se que os indivíduos geram riqueza ao simplesmente trocarem bens econômicos voluntariamente.
Sendo assim, eles estão recorrendo a um meio (trocas comerciais) para chegar àqueles fins que lhes são mais valiosos – segundo o grau de importância pessoal (subjetiva).
Mercado NFT não é jogo de soma zero
Como disse João Victor Morisson, o criador do Burning Shoe e co-fundador do primeiro marketplace de moda digital do Brasil, em entrevista para o Cointimes, “o brasileiro gosta muito de ter a posse dos bens”.
Ele reforça que o tênis pegando fogo em NFT foi desenvolvido justamente para os entusiastas que entendem o valor dos colecionáveis e estão certos de que a blockchain é o melhor lugar para verificar a escassez no meio digital.
Em definitivo, a economia não é um jogo de soma zero, uma vez que durante todo o processo de produção de bens e serviços estamos gerando riqueza. Mas é válida a preocupação que o Cauê Moura tem dos charlatões, já que em todo lugar alguém pode querer te passar a perna.
Chegamos agora ao século XXI, e olha só – estamos gerando riqueza na realidade digital. O metaverso, o espaço de congregação do mundo digital, está intimamente relacionado ao futuro de avanço em produtividade colaborativa.
O metaverso também está interligado com sistemas interativos de Inteligência Artificial, com a arte, a explosão do consumo sob demanda, a ascensão das criptomoedas, a noção de capitalismo de vigilância, o significativo avanço da computação quântica e por aí vai.
Como diz Guga Stocco, colunista da MIT Technology Review Brasil, “este é o século da confluência de tecnologias. Onde modelos de negócios competitivos são aqueles já criados a partir do que foi construído digitalmente. O metaverso reunirá todos. Não tem porta de entrada e nem de saída porque não é um ‘lugar’. É o entorno”.
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