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Salvadorenho relata como adoção do Bitcoin está sendo um desastre no país

Protestante anti-bitcoin

Há um mês, o Bitcoin se tornou a moeda oficial de El Salvador e o governo lançou sua própria carteira de BTC, mas, especialmente por causa de roubos de identidades, a adoção está indo tão bem quanto se imagina.

Geralmente, a segurança de uma carteira de Bitcoin é baseada em criptografia, é extremamente improvável que, por coincidência, mais de uma pessoa gere a mesma chave privada. A segurança do Bitcoin é matemática, mas esse não é o caso da Chivo, carteira estatal de El Salvador.

A carteira do governo optou por deter a custódia dos ativos, ou seja, nenhum usuário da Chivo possui a chave privada de seus bitcoins. Para acessar a carteira, basta que o usuário (ou um atacante) tenha acesso aos seus documentos. 

Conforme relatado por um salvadorenho no Reddit, houve centenas de casos de roubos de fundos na carteira Chivo e o governo está em silêncio sobre o assunto. De acordo com o jornal local “El Mundo”, o presidente da Associação de Ação Cidadã, bem como seu diretor executivo foram afetados e estão denunciando o caso para a Procuradoria Geral da República.

Acontece que, por conta da distribuição de US$ 30 em bitcoin para cada cidadão no país, malfeitores foram atrás do bônus de outras pessoas, similar ao que ocorreu no Brasil com o coronavoucher.

Os governos têm o toque de Midas ao contrário

Quando feita de maneira correta, uma carteira de bitcoin possui uma segurança formidável. Porém, os governos não são conhecidos por sua eficiência. Como diria Milton Friedman, “Se colocarem o governo para administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia.”

Um dos problemas de segurança da Chivo se deu no reconhecimento facial da carteira, que chegou a

aceitar a foto de um copo para autenticar o login na carteira.

Para o público leigo, o Bitcoin passa uma impressão de insegurança e não serve como uma boa alternativa ao dinheiro fiduciário. O salvadorenho de codenome Sam-Sung disse:

“E sim, eu sei que você vai dizer que isso não tem nada a ver com Bitcoin, mas você tem que entender a cultura salvadorenha: uma vez que algo falha, tudo associado a ele torna-se ruim. Não faz sentido, eu sei, mas é assim que as coisas realmente são aqui, e está afetando a adoção.

As empresas estão reportando baixa adoção. 93,1% das pequenas e médias empresas estão relatando ZERO transações de criptomoeda. O bônus de bitcoin grátis foi convertido para FIAT ou gasto em mantimentos, depois o uso despencou.”

Para os salvadorenhos que de fato estão usando o bitcoin no dia a dia, outro problema surgiu por conta da Chivo. Por conta da troca facilitada entre BTC e USD, os salvadorenhos passaram a usar a Chivo como ferramenta de day trade. Atividade arriscada que leva 99% dos traders a perder dinheiro, de acordo com estudo da FGV.

Afinal, por que as pessoas protestam contra uma moeda livre em El Salvador?

Embora o governo tenha se engajado em propagandas para afirmar que o bitcoin seria opcional no país, até porque a Lei Bitcoin não prevê sanção para quem não aceitar a moeda, mas a realidade não foi essa.

Na véspera da lei entrar em vigor, o assessor jurídico da presidência, Javier Argueta, esclareceu que é obrigação das empresas receberem Bitcoin.

“Em termos de lei sancionatória, a lei nada traz, mas se refere, por exemplo, a uma integração normativa, em uma figura denominada de normas penais em branco, onde faz encaminhamentos de infrações ao Direito de Defesa do Consumidor…”, explicou Argueta.

Em junho, porém, o Cointimes entrou em contato com o Portal da Transparência de El Salvador e a resposta foi diferente. Por este canal oficial de comunicação, o governo garantiu que não havia qualquer legislação que puna quem não usar bitcoin.

Em relação aos protestos anti-Bitcoin em El Salvador, eles não pararam mesmo após a Lei Bitcoin passar pelo Congresso. Em setembro houve um no dia 15 e outro no dia 30.

protestos contra o presidente Nayib Bukele

A resposta do presidente Nayib Bukele, que de brincadeira se intitulou “Ditador de El Salvador” no Twitter, foi apenas ridicularizar os protestantes.

Para Sam-Sung, porém, os protestos são legítimos e existe uma explicação clara de por que eles aconteceram.

“Os salvadorenhos estão protestando porque não entendem de tecnologia? Eles têm medo de mudanças? Por que eles não querem dinheiro de graça?

Bem, os salvadorenhos estão protestando porque toda essa coisa da Lei Bitcoin tem sido obscura. Em primeiro lugar, lembre-se do “Nem as suas chaves, nem o seu dinheiro” que você vê aqui com frequência? Não sabemos onde estão os 700 bitcoins que o presidente Bukele comprou. Quem é nosso corretor? Quanto pagamos por esses bitcoins? E o bônus grátis de 30 dólares? Quanto isso custou? Todas as informações sobre a compra de Bitcoin são confidenciais.

E quanto aos caixas eletrônicos? Sabemos apenas que uma empresa conhecida de ATMs Bitcoin os forneceu, mas o custo desses 200 ATMs é informação confidencial por causa da “Segurança Nacional” (seja lá o que for).”

Nem mesmo a mineração de bitcoin com energia de vulcão é vista com bons olhos por Sam-Sung, que escreveu:

“É verdade, mas não é uma fonte nova, nem uma nova infra-estrutura. A fazenda de mineração está localizada em uma cidade pobre chamada Berlin, Usulutan. LaGeo é o nome da empresa estatal que produz eletricidade geotérmica para a Região Oriental (Usulutan e San Miguel), porém devido à fazenda de mineração, estamos começando a queimar mais carvão para fornecer energia suficiente para a região. Os custos da eletricidade estão subindo, mas nosso presidente coloca os lucros sobre as pessoas.”

Energia limpa para inglês ver? Sabemos que a energia renovável de vulcão foi redirecionada para a mineração de bitcoin, que já começou a aumentar o balanço de BTC do governo, mas não temos dados sobre o aumento da queima de carvão para fornecer energia para a região.

Brasileiros que viajaram para El Salvador contam experiência

Os brasileiros Marcos Amaral e André Velozo, do podcast BTREZE, viajaram para El Salvador para acompanhar a adoção oficial do Bitcoin no país. Em conversa com o Cointimes, Marcos Amaral disse que buscou conversar com todo mundo, comerciantes, veículos de mídia e até políticos, e confirmou que “o processo foi bem conturbado”.

Em 7 de setembro, o “dia B“, a carteira apresentou vários problemas, além de não estar disponível em algumas plataformas de aplicativos como a do Android. Quando as pessoas baixavam e colocavam seus dados, um SMS deveria ser confirmado, mas muitas vezes ele não chegava.

Marcos disse que por um lado entende que a carteira custodiante se torna mais fácil de apresentar para a população, pois ameniza os problemas relacionados ao manejo de chaves criptográficas.

A dupla de brasileiros inclusive foi para El Zonte, praia que deu início ao “movimento Bitcoin” do país, e descobriu que a carteira deles também era custodial. A implementação de El Zonte foi realizada de forma muito mais organizada e elogiada por Marcos.

Veja um pouco da experiência dos brasileiros em Bitcoin Beach no vídeo abaixo:

Em relação aos protestos, o canal BTREZE acompanhou o maior deles no dia 7 (alguns comentaram que foi a maior manifestação de todos os tempos do país). Segundo ele, os salvadorenhos contrários ao governo uniram diversas pautas e poucos realmente se importavam com o Bitcoin.

A maioria das pessoas entrevistadas por eles disseram apenas que eram contra o governo forçar o uso de uma tecnologia que a população não conhecia. Havia muita desconfiança de que o projeto de lei tinha interesses obscuros. “A eterna vigilância de que se o governo está fazendo isso, alguma coisa tem por trás. Acho que essa era a maior insatisfação.”, disse Marcos em áudio para o Cointimes.

Sobre a falta de transparência, Marcos disse que um amigo mais por dentro do assunto informou que todos os dados em relação a tudo que estava sendo feito têm uma proteção de 7 anos, seja por segurança nacional ou outra justificativa. Essa informação não foi verificada a fundo, mas a questão é problemática.

“Por exemplo, uma das coisas que rolou é que eles anunciaram que os 200 caixas eletrônicos ia ser [fruto de] uma parceria público-privada, mas no final das contas, não sei se teve algum problema na licitação ou qualquer problema comercial nesse projeto, [mas] acabou sendo feito com recursos públicos.”, relatou o podcaster brasileiro.

O impressionante número de usuários da Chivo, constantemente divulgado pelo presidente no Twitter, também é visto com desconfiança. Quando Marcos e André saíram do país, o aplicativo tinha cerca de 500 mil downloads, agora já passa de 3 milhões.

Porém, com os relatos de gente que está se passando por outra e abrindo contas para pegar esse dinheiro os números já não são mais tão confiáveis assim.

Por fim, Marcos disse que inclusive as pessoas do projeto Bitcoin Beach ficaram chateadas por não fazer parte do processo de implementação. Embora usados como exemplo e tenham sido a inspiração para a Lei Bitcoin, eles não foram consultados nem sobre a questão do lançamento, nem sobre projetos de educação.

De acordo com Marcos, uma das diferenças entre a implementação do governo com a Chivo e de El Zonte com a Bitcoin Beach, é que a carteira do projeto local tem um processo educativo bem eficiente.

“O do governo você se cadastrava e ganhava os US$ 30 automático, o do Bitcoin Beach é um crédito bem menor, mas você tem que fazer um tutorial e cada resposta que você acerta, ganha uns satoshizinhos e é muito legal porque é um processo bem intuitivo e você aprende bastante.”, explicou ele, dizendo que um vídeo sobre a carteira Bitcoin Beach será lançado em breve no Youtube.

Mas qual a sua opinião sobre a adoção do Bitcoin em El Salvador, tornar o BTC moeda de curso forçado foi uma decisão acertada? Deixe seu comentário abaixo.

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